2 Fevereiro 2017

* Léo Ottesen

 

Carlos é escritor, marido e pai. Jorge é escritor e solteirão convicto, ou talvez apenas um solitário tímido que não sabe falar com outros homens. Eles são amigos há mais de 10 anos. Quando Jorge conseguiu a publicação de seu primeiro romance, foi Carlos quem o incentivou a continuar escrevendo do seu jeito, embora o seu jeito não fosse garantir lucro financeiro (palavras dele). Em outra ocasião, Jorge havia rompido com o namorado e, de novo, foi o amigo quem o convidou para tomar umas cervejas e tentar transformar aquilo em um conto melodramático. O texto fora publicado em uma revista menor.

Jorge escreve para si. Inventa seu estilo literário sem pesquisar o assunto. Dá à luz suas personagens antes mesmo de saber sobre o que escreverá. Fala de coisas das quais gosta e as quais odeia – muitas vezes sendo as mesmíssimas coisas. Disserta sobre o sexo, as drogas, a crise intelecto-cultural que transpassa as gerações humanas pós-revolução industrial, e pássaros. Jorge é metido a poeta, mas não publica. Acredita que suas histórias façam muito mais sentido para os leitores do que seus versos. Para escrever, gosta de vinho branco seco e cigarros – às vezes de maconha. Quando acorda na manhã seguinte, costuma rir do que escreveu, porque não lembra como aconteceu. Mas manda para seu editor e consegue. Ele é talentoso, embora louco, e consegue.

Seus sete romances praticamente foram lançados em sebos. Passam de mão em mão sem nunca serem comentados nos jornais, nem se tornarem motivação para entrevistas do autor. Ninguém jamais estudará Jorge nas aulas de Literatura. Jorge nunca será entrevistado pelo Jô, nem sequer pelo Danilo Gentili. E ele está feliz com isso. O escritor, além de escritor, é formado em Economia e trabalha em uma imobiliária. Ganha a vida entre papeis, documentos e telefonemas. Nos fins de semana e nas folgas, ele escreve. Porque precisa escrever muito mais do que precisa de dinheiro para se sustentar. Jorge trabalha para viver e vive para escrever. Embora nunca vá aparecer na televisão.

Carlos você conhece. Certamente já leu algum dos vinte livros dele. Ou quem sabe todos. Ele deixou de ser amador há muitos anos, e deixou de amar o que faz pouco tempo depois disso. É contratado de uma grande editora, recebe para escrever e ficar em casa, cuidando do casal de filhos. É um escritor de verdade – nas palavras de Jorge. Muitas vezes, foi o autor mais vendido segundo diversas revistas importantes. Os leitores o amam e os escritores o desprezam. Carlos escreve romances, mas também crônicas, contos e até novelas. O que estiver em alta. Seu editor lhe indica as tendências do mercado e manda que ele as siga à risca. Carlos ganha bem, por isso obedece.

Quando “Cinquenta tons de muita coisa” foi lançado, Carlos se adiantou na publicação de “Um tapinha não dói”. Sucesso imediato. Apareceu na Globo e no SBT. Não quis dar entrevista para a RedeTV. Antes ele já havia publicado “Quando eu tinha 15 anos…”, de crônicas sobre relacionamentos, sob o pseudônimo de Vera Cruz; uma homenagem ao Brasil. Suas leitoras não entenderam a referência. Logo a saga “Quando voam os dragões” foi citada em muitos podcasts nerds como a maior revelação da literatura fantástica brasileira. Um dos apresentadores inclusive fez uma piada sobre os livros serem fantásticos e se tratarem de um mundo fantástico, mas foi uma péssima piada e não cabe reproduzir aqui. Carlos fez muita gente chorar com a história de “Ele e Ela”, com dois adolescentes brancos de classe média se apaixonando e morrendo de uma doença incurável que ninguém conhece. Os exemplares voavam das prateleiras das livrarias. Dizem que vai virar filme.

Os dois amigos trocam figurinhas sobre o mercado editorial e a arte literária, enquanto preparam suas próximas obras, e desejam trocar de lugar um com o outro. Eles entendem, porém, que ambos trabalhos são essenciais. A forma como Carlos trabalha e a paixão com a qual Jorge escreve são os dois pesos que equilibram a balança do mundo literário. Como a luz e a escuridão, uma depende da outra. E, da mesma forma, nenhuma é mais importante ou melhor que a outra. O que faz sentido para os dois é que seus livros precisam ser lidos e há quem os leia, e goste deles, apesar de tudo. Não há por que questionar o valor que as coisas têm se – e só se – elas nos fazem bem. Jorge e Carlos continuam grandes amigos. Jorge talvez ganhe um aumento. Carlos certamente ganhará mais dinheiro.

 

*Escritor, poeta e professor de escrita criativa.

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