20 Agosto 2014

Recebemos alguns e-mails com dúvidas de pessoas que pretendem cursar Letras e resolvemos escrever um post para responder algumas. Quanto ganha alguém formado em Letras? Vou conseguir publicar meu livro? Qual é o conteúdo do curso? Como posso me tornar tradutor no mercado editorial?

Este texto expressa nossa opinião e será atualizado à medida que recebermos mais sugestões. Agradecemos se puderem compartilhar experiências diferentes nos comentários!

 

O curso de Letras consiste em um conjunto de aulas de Português e Literatura com complexidade e aprofundamento maiores?

Não mesmo. Essa parece ser a ideia da maioria dos estudantes que chegam à faculdade de Letras, mas em geral as coisas não são bem assim. Em 5 anos de curso na USP, por exemplo, nunca tivemos uma aula sequer sobre gramática (pelo menos não sobre gramática normativa, e não da maneira tradicional). A reflexão sobre a língua é feita a partir de outras perspectivas e não se restringe ao domínio das convenções que aparecem em manuais prescritivos. É certo que em alguns cursos esse conteúdo pode ser parte do currículo, mas na maioria deles o conhecimento do idioma é considerado um pré-requisito. Letras é um curso bem mais versátil do que pode parecer à primeira vista; o idioma é só uma parcela do que se estuda por lá.

Gosto de português, mas tenho muitas dúvidas. Vou aprender a falar e escrever corretamente?

Em primeiro lugar, sua ideia sobre certo e errado será afetada tão logo você tenha algumas aulas sobre linguística. O curso de Letras não é uma extensão da escola e aquele modelo de aulas de língua dificilmente se repetirá. Mas você não precisa esperar a matrícula para conhecer outras ideias: “Preconceito linguístico” (Marcos Bagno) e “Por que (não) ensinar gramática na escola” (Sírio Possenti) são dois livrinhos simples e fantásticos que podem apresentar um mundo novo para quem nunca pensou sobre o assunto. Você vai se surpreender quando não tiver mais vontade de corrigir uma fala “errada” ou quando parar de achar que “erros” deslegitimam o conteúdo do que é dito, ou que deveriam automaticamente extinguir a credibilidade do falante. De qualquer forma, dominar as convenções da nossa língua é importante para um profissional de Letras e a faculdade não vai tapar os buracos deixados durante sua trajetória escolar. Estude. Apresentamos sugestões de gramáticas aqui. Não é pra sentar e decorar, mas consulte as gramáticas sempre que estiver em dúvida! Aprenda, pouco a pouco, a ser autodidata. Se vire.

Finalmente aprenderei tudo sobre as correntes literárias?

Se você se acostumou com aulas de uma hora em que um professor é capaz de recontar romances enormes de forma detalhada e ainda expor informações sobre contexto histórico, biografia do autor e correntes literárias, esqueça. Primeiro porque se a faculdade oferecer um currículo razoavelmente móvel, as disciplinas não serão organizadas respeitando uma suposta ordem cronológica de seus conteúdos. Segundo porque é comum que os professores definam o conteúdo de suas disciplinas de forma independente, de modo que nem após terminar o curso terá sido possível conhecer todo o panorama da literatura mundial. Nem nacional. Nem deste século. Além disso, as aulas não consistem em grandes resumos de obras que os alunos precisam memorizar e comentar (alô, Ensino Médio!), mas na análise minuciosa de cada linha de uma obra, de cada detalhe. Não é motivo para surpresa se um professor passar seis, sete, oito aulas analisando o mesmo poema. Também não é raro encontrar professores com abordagens totalmente divergentes: um que prefere associar as obra à biografia dos autores, outro que analisa literatura por um viés psicanalítico, outro que se apega a contextos históricos… Resumindo: a trajetória do estudante tende a ser heterogênea o bastante para garantir que, ao fim, se ele não ampliou o seu repertório de leitura tanto quanto gostaria (desencanem, pessoal, não há tempo para tanto), ao menos tenha autonomia para fazê-lo em outros momentos. E chegar até aí já dará bastante trabalho.

Qual é o salário médio de uma pessoa formada em Letras?

É praticamente impossível responder isso, porque os ramos de atuação são infinitos. Durante a faculdade, é possível fazer estágio principalmente em escolas e editoras, mas também em outras empresas que precisem de profissionais de comunicação ou bilíngues. Em São Paulo, o salário para um estagiário de Letras varia mais ou menos entre R$800,00 e R$1400,00. Também é possível ser professor de língua estrangeira em escola de idiomas, o que costuma garantir uma remuneração maior (em São Paulo, há escolas que pagam a partir de R$10,00/hora, mas há outras que pagam R$30,00/hora, por exemplo. Professores particulares podem cobrar de R$40,00 a R$100,00. Isso vai depender tanto dos conhecimentos e desempenho de cada um como professor quanto de quem são seus alunos, é claro.). Para quem preferir se dedicar à área acadêmica, há a opção de fazer Iniciação Científica, o que pode garantir uma bolsa entre R$300,00 e R$400,00. Com o diploma em mãos, o salário continuará dependendo de fatores como a área de atuação escolhida e quantas horas você pretende trabalhar, por exemplo. Há professores de português que ganham R$2500,00 e há quem ganhe R$20000,00. Não tem receita: depende de sorte, de conhecimentos, de performance, de cara de pau pra mandar currículos insistentemente, visitar sites, escrever pra coordenadores, enviar cartas ou sinal de fumaça… Em editoras o salário também pode variar – digamos que entre R$2.500,00 e R$10.000,00, embora evidentemente isso seja apenas uma estimativa. O principal é não acreditar nessa história de que as boas vagas ficam para quem tem “contatos”. Cadastre-se em sites como o Vagas (gratuito) e o Catho (7 dias grátis), visite o site de empresas do ramo que te interessam, procure páginas de “Trabalhe conosco”, envie e-mails com um currículo bem feito, consulte em jornais e revistas o nome do editor que você precisa pentelhar para publicar seus textos (se forem bons), enfim, se ofereça. Se os bons empregadores não sabem que você existe, caberá a você arrumar um jeito de se mostrar.

É possível trabalhar em outra área sem ser a docência?

Claro! Como comentamos aqui, há várias opções. Se você gosta de lidar com textos, por exemplo, é possível ser revisor ou tradutor. Há vagas em empresas para isso, mas há também quem prefira trabalhar como freelancer em casa, prestando serviços para mais de uma empresa ao mesmo tempo e sem precisar fazer a social típica do mundo corporativo. Também há vagas para editores, coordenadores de cursos, consultores, redatores, intérpretes, repórteres. Faça uma pesquisa em sites de vagas e você verá bancos, escritórios de advocacia e outras empresas inusitadas procurando profissionais com essa formação. De qualquer forma, não custa repetir que a docência é, sim, uma excelente opção.

Como pedir emprego pela primeira vez?

Pela nossa experiência, o método mais fácil de fazer isso é abusar da internet. Quer ser professor de idiomas? O site de todas as escolas disponibiliza o e-mail de cada uma das unidades. A maioria delas oferece um treinamento para que o professor conheça a metodologia, portanto não é preciso ter experiência (mas precisa dominar o idioma, claro). Não mandem e-mails excessivamente formais; não há necessidade. Nós mesmos já recebemos currículos que diziam “Boa tarde, Excelentíssimos Senhores!” (?). Soa estranho, não precisa. Também não precisa dizer que gostaria de ficar com a vaga na editora porque é seu sonho de infância e blábláblá. Você provavelmente estará lidando com pessoas normais como nós, rapazes latino-americanos sem dinheiro no banco que gostam do trabalho mas que estão cansados da rotina puxada e que já perderam os deslumbramentos com nome de empresa há tempos. Escreva um e-mail simpático, natural, sincero, que mostre seus objetivos reais. Certamente existem os empregadores que querem ser chamados de Excelentíssimos e que descartarão e-mails informais. Você gostaria de trabalhar para alguém assim? Nós, não.

Onde arrumo livros para traduzir?

Se seu interesse é ser tradutor na área editorial mas você não tem livros traduzidos que atestem a qualidade de seu trabalho, nossa sugestão é: peça para fazer testes. Assim as editoras poderão avaliar se você já está preparado para assumir sozinho a tradução de um livro. As editoras com que já tivemos contato em São Paulo pagam a partir de R$16,00 a lauda, o que é superpouco, já que tradução dá trabalho pra burro. De qualquer forma, ter um livro traduzido abre portas para traduções futuras… A partir de R$20,00 nos parece um valor mais justo. Já ouvimos tradutores experientes dizerem que R$30,00/lauda costuma ser o valor máximo pago por editoras, mas evidentemente pode haver exceções. Não custa lembrar que, se o objetivo for esse, português impecável será essencial.

Tenho o sonho de escrever livros infantis, isso é possível com o curso de Letras?

Não conhecemos nenhum curso que traga em seu currículo disciplinas de escrita criativa, mas isso não garantiria a publicação de livros. (Update: fomos informados sobre o curso “Tecnólogo em Escrita Criativa”, da PUCRS) Um diploma de Letras vai ajudar? Dificilmente. Pode ser que ampliando seu repertório literário você se sinta mais motivado a escrever, ou conheça novas influências que o ajudem a encontrar um estilo próprio, mas essa não costuma ser uma meta que os professores levem em conta ao planejar as aulas. O curso pode facilitar o contato com outras pessoas com interesses similares e gerar frutos, como a publicação de coletâneas de textos, por exemplo. De qualquer forma, pessoas publicam livros o tempo inteiro sem que o diploma de Letras interfira nisso. Nosso conselho seria: escreva seu livro, imprima várias cópias e envie para as editoras que publicam obras parecidas e que poderiam se interessar. Algumas o analisarão com base no que julgarem ser seu valor literário; outras tentarão calcular seu valor mercadológico. De uma forma ou de outra, a saída é oferecer seu texto a várias e esperar pacientemente por um retorno, já que as editoras recebem um volume grande de originais e demoram para analisa-los. Se alguém tiver experiências diferentes, por favor, compartilhe conosco!

Como aproveitar melhor o curso?

Não tendo pressa para acabá-lo. O currículo é longo e o volume de leitura é enorme. Os textos são complexos e vai ser preciso brigar com alguns para entendê-los minimamente. Se a vontade de correr logo pro diploma tiver relação com a possibilidade de arrumar um emprego, encontre maneiras alternativas de conseguir renda durante a faculdade (se aprimore na revisão de textos, dê aulas, envie pautas interessantes a jornais e revistas, elabore textos para sites que oferecem remuneração a colaboradores etc.). Letras não é um curso profissionalizante; procure não encará-lo assim. Se tiver tempo, envolva-se nos projetos da faculdade, ajude a criar revistas para publicar textos dos alunos, desenvolva um projeto de Iniciação Científica… enfim, tente não cair na tentação de querer se livrar logo desse ambiente; depois de um tempo ele fará falta.

Quais são as universidades que vocês recomendam?

Infelizmente, só podemos falar do curso que conhecemos, que é o da Universidade de São Paulo. Na FFLCH, é possível personalizar bastante o próprio curso, já que a oferta de professores com diferentes abordagens para cada disciplina costuma ser grande. A queixa dos alunos costuma se referir ao fato de que terminar bacharelado e licenciatura no prazo de 5 anos é praticamente impossível. Se isso não for uma preocupação, o curso em si é excelente e, mais que abrir portas, muda nosso jeito de pensar.

 

Por favor, alunos ou graduados em Letras: deixem seus relatos sobre as universidades que frequentaram, sejam elas presenciais ou EAD. Contem pra nós se discordam de algo do texto… E para quem ainda pretende entrar na área, que se sinta à vontade para mandar mais perguntas! Aqui estão as impressões de duas pessoas apenas, Carol e Pablo. Adoraríamos saber as de vocês. Abraços!

 

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