14 Março 2022
O PEL Entrevista de hoje é com uma escritora especialista em nos convidar a olhar as palavras, conviver com elas e construir sentidos de modo mais demorado e criativo.
Juliana Valverde é autora dos livros infantojuvenis “Eu, ué!”, “Abrapoema” (Selo “Altamente Recomendável” em 2021 da FNLIJ na categoria Poesia; Selo Seleção Cátedra Unesco de Leitura – PUC Rio 2020) e “Mindinho maior de todos” (Prêmio Seleção Cátedra 10 – Cátedra Unesco de Leitura – PUC Rio 2017; Selecionado para o PNLD Literário 2018), todos publicados pela editora ÔZé. Além disso, é doutoranda no Programa de Literatura e Crítica Literária da PUC-SP.

Pode nos contar um pouco sobre você? (De onde vem, quando nasceu, onde mora etc.)

“Eu vim da Bahia”, é esse verso da letra da canção homônima de Gilberto Gil que me vem à cabeça toda vez que alguém me pergunta de onde vim. Eu vim mesmo de lá, da Bahia, de Salvador, e foi nesse canto mítico entre Nosso Senhor do Bonfim e Oxalá que comecei a construir este eu que tenta responder agora (?) de onde veio, enquanto canta mentalmente enquanto escreve “Eu vim da Bahia”… “cantar”… “contar”… Eu vim da Bahia para São Paulo criança. Hoje, tenho 42 anos e ainda moro aqui.

Escritora Juliana Valverde

O que a levou a escrever literatura para o público infantil?

Não sei se eu diria que escrevo “para” o público infantil… Talvez dissesse que escrevo como que querendo ir… “às” infâncias (?)… como que procurando me aproximar de um possível segredo ligado à poesia, o qual estaria condensado no tempo da experiência de criança (num atempo), para onde há desejo insistente de regressar. Vamos ver se consigo explicar melhor, objetivando uma reverberação que me fez chegar nessa conjectura: em seu “Itinerário de Pasárgada”, Manuel Bandeira diz que foi em suas mais velhas reminiscências (nas reminiscências da “primeira meninice”) que percebeu, nas palavras dele, um “conteúdo inesgotável de emoção” que identificou com a emoção de natureza artística, descobrindo em tal conteúdo, depois, o segredo de seu itinerário em poesia. Quando li isso, parece que um bando de coisas foi se descortinando por aqui. Talvez a minha infância também guarde um possível segredo de minha expressão poética (será que todas as infâncias também assim guardam todas as expressões, artísticas?). E talvez eu viva querendo me aproximar desse segredo, impossível de ser tocado, mas cuja distância (até ele) é urgente (para mim) percorrer… Bem, a quantidade de “talvez”, parênteses e reticências que usei aqui quem sabe responda mais a essa pergunta do que a minha resposta em si, né? (risos). Caminhar (ou escrever) às infâncias parece estar ligado a esse segredo… 

A leitura estava presente em sua infância? Como?

Lembro-me muito da contação de histórias na minha primeira infância, de um adulto querido contando histórias e cantando magias para mim. Lembro-me em especial de minha avó Mariá me envolvendo nesse universo mágico. Eram histórias e cantigas do nosso repertório oral. E toda essa memória vem carregada de “gosto de vó”, sabe? De muito afeto… Acho que foi essa ligação de essência, antes de o objeto livro propriamente dito entrar em cena, que me fez gostar muito de “ouvir” palavras e, por conseguinte, de ler (livros). Acho que a cada livro eu trisco (ou queira triscar) nesse gosto de afeto poético, seja ele de qualquer sabor. E de novo volta a coisa das reminiscências da “primeira meninice”, do segredo, da ligação infância-poesia, da coisa toda que tentei dizer ao responder à pergunta anterior.

Sabe dizer quais são seus livros infantojuvenis favoritos? 

Meus favoritos? Hum… Voltando a minha infância, lembro, antes de qualquer outro, de “Chapeuzinho amarelo”, de Chico Buarque. Eu tinha o livro e o disco, com o texto musicado. Lembro-me de ouvir muito esse disco, na minha vitrolinha cor de laranja, que virava uma “maleta”, a qual levava para lá e para cá. Ouvia repetidamente, muito mesmo, enquanto devia investigar o livro, brincando de escrever nele — imagino isso olhando o livro hoje, cheio de garatujas da Juliana que ainda não sabia escrever convencionalmente (tenho a sorte de uma mãe, pedagoga, que me deixava livre com o “meu” livro)… Mas além dessa memória de livro favorito da infância, eu queria trazer aqui alguns favoritos de poesia também. Primeiro, o clássico “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles. E um poema de Hilda Hilst, que virou livro em versão infantojuvenil há pouco: “Eu sou a monstra”. Quero citar os contemporâneos também… Tem muita coisa bonita… “Chão de peixes”, de Lúcia Hiratsuka e “Obrigado”, de André Neves.

Foto de página do livro “Chapeuzinho Amarelo”. Exemplar do acervo pessoal de Juliana, com garatujas feitas pela autora quando criança.

Você tem um ilustrador favorito?

Bom, eu não queria trazer um “nome”, mas uma força, a força poética, a força do condensamento, que permite um alargamento de olhar para quem a experiencia. Meus ilustradores favoritos são aqueles que trazem essa força no desenho, no traço, nas cores. Há muitos artistas visuais que fazem isso, de diferentes jeitos, de modo figurativo ou abstrato. Esses são os meus favoritos.

Qual é a importância da ilustração em um livro infantil?

Considerando os livros que apresentam textos acompanhados de ilustrações, diria que a ilustração possibilita expandir as possibilidades de o leitor-criança se relacionar sensivelmente com as expressões artísticas. Mas há livros com imagens e livros que são as imagens… Talvez dizer da força poética de novo faça mais sentido também aqui…

Você acha que o uso excessivo da tecnologia tem tirado espaço dos livros na vida de crianças e adolescentes?

Acho que nunca criamos um espaço para o livro no Brasil e talvez o problema esteja mais aí. É uma questão social, política, econômica… Difícil dizer que o livro perde um espaço que infelizmente nunca teve. Acredito que a nossa luta seja criar esse lugar e em diferentes suportes, junto da tecnologia, inclusive.

Você tem filhos? Em caso afirmativo, isso influenciou seu desejo de escrever literatura infantil?

Sim, tenho uma filha. A Bianca. Ela nasceu em 2012 e me aproximou ainda mais do querer rumar ao “segredo” de que falei inicialmente. Ela me deu também coragem para ir, mesmo sabendo da imperfeição dos passos e da origem de qualquer querer. Diria que ela me impulsionou. Ela me faz querer e sentir muita coisa, o que felizmente me permite dar uma “pausa” no pensar, pensar, pensar…

O que significa para você ver um livro seu receber o selo Cátedra Unesco ou ser selecionado para o programa nacional de distribuição de livros para escolas públicas, como já aconteceu?

Fico feliz com qualquer ação que esteja ligada à criação de espaço e acesso à leitura. Precisamos criar e cultivar esse espaço, como já disse acima. E acho que os prêmios e os programas públicos podem ajudar nesse lugar, na criação desse espaço. Agora, é preciso criar um espaço com qualidade… Fico bem preocupada quando vejo, por exemplo, editais de programas de governo “ditando”, para livros literários, os formatos dos exemplares, a quantidade de linhas por página ou “elucidando” como deve se dar a relação da ilustração com o texto para tal ou tal idade. Na minha opinião, isso não ajuda nessa criação de espaço a que me refiro, mas, ao contrário, dificulta ainda mais qualquer aproximação ou sensibilização para com a arte. Acho preocupante mesmo.   

Em sua opinião, como as escolas podem contribuir para a formação de leitores literários? 

Acho que possibilitar o livre acesso a livros literários já é um grande passo. Outra coisa é vincular a leitura a momentos prazerosos e a relações de afeto e admiração. Um professor lendo um livro de maneira encantada produz o encantamento em seus alunos, certeiramente. E certeiramente as crianças vão se envolver e querer regressar ou ingressar nas leituras que ele apresenta ou recomenda com paixão. A criança se encanta pelo encanto do adulto de que gosta e admira. Ouvi o Ricardo Azevedo, amigo e grande mestre, falando algo nesse sentido uma vez e comecei a reparar mais nisso. E acredito mesmo nessa coisa, viu? Vejo isso acontecendo aqui em casa. Eu sou apaixonada por Hilda Hilst. Minha filha sente isso pelo modo como devo falar dela e adivinha? Já amava Hilda (risos), mesmo antes de ler qualquer texto de Hilda. Há pouco tempo, descobri a edição de “Eu sou a monstra” para crianças. Li para ela. Li com ela. Compartilhamos toda aquela imensidão. Ela sentiu a “verdade” daquele meu encantamento. Depois dos nossos momentos com o livro, ela foi revisitá-lo diversas vezes, “sozinha”. E, em menos de um mês, ela decorou e declama o texto de um jeito tão lindo… Ela tem 9 anos. Trouxe esse exemplo com literatura, mas acredito nisso com tudo. João Gilberto me toca, por exemplo, em um lugar desses. Meu pai ouvia João com uma admiração tão grande… Eu ficava curiosa por aquele sentimento dele… E até hoje eu ouço muito João. “Ouço” demais mesmo. É um lugar de afeto e comunhão.

Você tem contato com professores e alunos que já trabalharam um de seus livros em sala de aula? Como é essa experiência de troca?

Tenho. E como é rica essa troca, viu? Eu sempre me emociono e volto a acreditar no sentido de continuar (porque a gente fica desacreditada muitas vezes mesmo). Sempre que posso, vou conversar nas escolas, respondo a perguntas das crianças. Como eu aprendo… E como me abraça… E esses abraços são um jeito de encorajar a regressar e reinventar aqueles afetos às infâncias também. Fico grata e muito realizada com cada contato. Me contatem! (risos).  

 

A escritora pode ser encontrada no Instagram nas contas @mindinho.literario ou @julianavalverde.

O PEL Entrevista de hoje é com uma escritora especialista em nos convidar a olhar as palavras, conviver com elas e construir sentidos de modo mais demorado e criativo. Juliana Valverde é autora dos livros infantojuvenis “Eu, ué!”, “Abrapoema” (Selo “Altamente Recomendável” em 2021 da FNLIJ na categoria Poesia; Selo Seleção Cátedra Unesco de Leitura – PUC […]

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12 Outubro 2018

Olá, professores e diretores de escolas que aderiram ao PNLD Literário 2018!

Neste mês de outubro de 2018, vocês têm a importante tarefa de selecionar os livros literários que serão enviados para seus alunos. Como há ótimas e variadas opções, decidi escrever a vocês para indicar uma obra da qual sou grande admiradora. É uma excelente notícia saber que tantos alunos terão a chance de ler livros tão preciosos quanto aqueles selecionados para o PNLD Literário 2018!

Minha indicação é uma obra chamada Mindinho maior de todos, com poemas de Juliana Valverde e ilustrações de Feres Khoury. O universo infantil está contemplado no livro por meio de poemas muito instigantes, sonoramente agradáveis, permeados por assuntos como mundos e seres imaginários, o medo, a casa, o amigo, o irmão mais novo, a mãe, fadas e assim por diante. Você pode conhecer estas maravilhas clicando aqui.

Além disso, as imagens do livro fazem dele uma verdadeira coletânea de arte ao alcance dos alunos. Juntos, os textos e as imagens convidam os leitores a reflexões sobre importantes elementos de nossas vidas e sobre emoções humanas. Tudo isso faz dessa obra muito significativa para as mais variadas faixas etárias, sobretudo para crianças entre 8 e 11 anos.

Nas primeiras leituras, você e seus alunos certamente viverão momentos muito agradáveis de fruição literária e estética. Para além da fruição, o livro também pode constituir uma importante ferramenta pedagógica, pois contribui para a formação de leitores, para o estudo do gênero poema e para a ampliação do repertório dos alunos. Há um material de apoio ao professor bem completo e você pode conhecê-lo previamente clicando aqui.

A escolha do PNLD Literário 2018 ocorrerá do dia 18/10 ao dia 31/10. Fique atento ao prazo!

Veja mais informações:

 

Professores e dirigentes participam juntos dessa importante decisão. Depois, os diretores registram as escolhas no site pddeinterativo.mec.gov.br.

Não deixe de participar! Acesse o Guia Digital do PNLD Literário clicando aqui.

Você pode assistir à leitura de um dos poemas feita pelo Pablo Martins em nosso canal:

 

Boas escolhas!

 

Olá, professores e diretores de escolas que aderiram ao PNLD Literário 2018! Neste mês de outubro de 2018, vocês têm a importante tarefa de selecionar os livros literários que serão enviados para seus alunos. Como há ótimas e variadas opções, decidi escrever a vocês para indicar uma obra da qual sou grande admiradora. É uma […]

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16 Setembro 2018

 

“Gente que quer um romance como o de Romeu e Julieta sem saber que foi um romance de três dias e seis mortos. É preciso ler!”

A placa é divertida, sem dúvida, e certamente desperta a simpatia de quem conhece a obra. Mas ela também suscita muitos questionamentos:

Que livros leríamos se não soubéssemos quais são considerados leitura obrigatória nos dias de hoje?
Mais vale um repertório amplo e variado ou um repertório enxuto e composto por obras que têm sido eleitas como canônicas?
A literatura pode invadir nossas vidas de tal forma que citamos suas referências mesmo sem conhecimento profundo, ou é preciso ser preciso ao recorrer ao mundo literário?
Os critérios de quem define o cânone literário são universais?
De que modo o imaginário popular acerca de enredos e personagens literários de livros que não foram lidos se relaciona à literatura? Há impactos, efeitos, influências?
A popularização de ideias relacionadas a livros não lidos aproxima ou afasta as pessoas da leitura?
Quem define o que deveria ser lido por todos? E quanto às grandes obras às quais esse grupo eventualmente não tenha tido acesso?
Será que existe um repertório básico obrigatório a todo bom leitor?
Como interpretar o fato de uma obra como Romeu e Julieta habitar o imaginário popular como modelo de amor romântico?
Perguntas…

 

Tradução: Romeu e Julieta não é uma história de amor. Trata-se de um relacionamento de 3 dias entre uma pessoa de 13 anos e outra de 17 que resultou em 6 mortes. Atenciosamente, todos que leram o livro.

  “Gente que quer um romance como o de Romeu e Julieta sem saber que foi um romance de três dias e seis mortos. É preciso ler!” A placa é divertida, sem dúvida, e certamente desperta a simpatia de quem conhece a obra. Mas ela também suscita muitos questionamentos: Que livros leríamos se não soubéssemos […]

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4 Janeiro 2018
A perca
[Martha Medeiros]


Da série “só acontece comigo”: estava parada num sinal da Avenida Ipiranga quando um carro encostou ao lado do meu. A motorista abriu a janela e pediu para eu abrir a minha. Era uma moça simpática que me perguntou: “Martha, o certo é dizer perda ou perca?”.“Hãn?”“É perda de tempo ou perca de tempo? Como se diz?”

A pergunta era tão inusitada para a hora e o local, tão surpreendente, vinda de alguém que eu não conhecia, que me deu um branco: por um milésimo de segundo eu não soube o que responder. Perca de tempo, isso existe? Então o sinal abriu, os carros da frente começaram a engatar a primeira, eu olhei para ela e disse: “É perda de tempo”.

Ela sorriu em agradecimento e foi em frente. Meu carro ainda ficou um tempo parado. Eu parada no tempo. Perca de tempo.

Dei uma risada e segui meu rumo também.

Se alguém te diz “não perca tempo”, e todos te dizem isso o tempo todo, como não confundir? Tantos confundem. São coagidos a tal.

E, cá entre nós, a “perca” parece mais amena do que a perda.

A perca de um amor é quase tão corriqueira como a perca do capítulo da novela. A perca é feira livre. A perca é festiva. A perca é música popular.

Já a perda é sinfonia de Beethoven.

A perca acontece no verão. A perca de uma cadeirinha de praia, a perca de um palito premiado de picolé.

As perdas acontecem no inverno.

A perca é simplória, a perca é distraída, a perca é provisória, logo, logo reencontrarão o que está faltando.

A perda é para sempre.

As percas reinventam o vocabulário e seu sentido, não são graves, as percas são imperfeições perdoáveis, as percas são inocentes.

As perdas são catastróficas, nada têm de folclóricas.

A perca é um erro gramatical, e apenas esse erro ela contém. De resto, não faz mal a ninguém.

A perda é um acerto gramatical, mas só esse acerto ela contém. De resto, é brutal.

Se eu pudesse voltar no tempo, reconstituiria a cena de outra forma:

“Martha, é perda de tempo ou perca de tempo? Como é que se diz?”

“O correto é dizer perda, mas é muito solene. Perca dói menos por ser mais trivial”.

A perca [Martha Medeiros] Da série “só acontece comigo”: estava parada num sinal da Avenida Ipiranga quando um carro encostou ao lado do meu. A motorista abriu a janela e pediu para eu abrir a minha. Era uma moça simpática que me perguntou: “Martha, o certo é dizer perda ou perca?”.“Hãn?”“É perda de tempo ou […]

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