Pense nas “pessoas” que vão limpar o banheiro

Pense nas “pessoas” que vão limpar o banheiro

pessoas

……….Dez anos atrás, havia uma placa como esta nos banheiros do colégio onde eu estudava, no sul de Minas Gerais. Questionei o coordenador sobre as aspas e ele me respondeu: “é pra dar bastante destaque pro fato de serem pessoas”. Expliquei que não era esse o efeito obtido, mas não consegui convencê-lo. Essa é uma das razões porque achei que valia a pena escrever um texto inteiro dedicado a esse sinal de pontuação.
……….As aspas variam de país pra país: em alguns idiomas (como francês, italiano e grego, por exemplo), os sinais usados são « e », em outros (como chinês e japonês), usa-se 「 e 」, e há ainda os familiares “ e ”.
……….Um dos principais usos desse sinal consiste em deixar claro que estamos reproduzindo o texto (ou a fala) de outra pessoa. Basta fazer um passeio rápido pelas redes sociais para perceber que muita gente reproduz citações sem as aspas, dando a entender que é o autor de enunciados que não lhe pertencem de fato. É preciso deixar marcas no texto que mostrem ao leitor quando determinado trecho vem de outra fonte que não seja nossa própria cabeça – reprodução “velada” é plágio. Ainda que na internet isso não tenha consequências, quem estende o mesmo comportamento para a área acadêmica ou editorial pode ter problemas sérios (não custa lembrar que plágio é crime).

Além desse exemplo, as aspas são usadas para:

1) destacar citações ou reproduzir textos exatos:

“No mundo há muitas palavras e poucos ecos.” – Goethe

2) exprimir ironia:

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3) esclarecer que um termo está sendo usado fora de seu contexto habitual:

Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um “amor”.
(Mário de Andrade)

4) marcar palavras ou expressões populares, gírias e neologismos.

No próximo fim de semana viajarei para “mãezar“.

5) destacar o título de uma obra.

……….Sobre o último exemplo, gostaria de contar uma história verídica. Há mais ou menos dois anos um professor arrancou risadas dos alunos com a seguinte afirmação:
— Paulo Coelho bebeu muito nas mil e uma noites.
……….O mesmo não aconteceria caso se tratasse de um texto escrito, já que a afirmação dele foi, na verdade:
— Paulo Coelho bebeu muito n”As mil e uma noites” (ou seja, inspirou-se nesse livro).

……….Como faltava à maior parte dos alunos o conhecimento prévio sobre uma obra com esse nome, a referência ao livro foi impedida e a interpretação correta se perdeu. Retomo a foto inicial para reiterar que não, aspas não são usadas para conferir simples destaque, finalidade que poderia ter sido atingida com recursos gráficos como negrito ou caixa alta. De qualquer forma, mais importante que pensarmos sobre convenções gramaticais é a reflexão sobre até quando conviveremos com naturalidade com a necessidade de esclarecermos que algumas pessoas também são pessoas.

Até a próxima!

 

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Recomendação de leitura

Recomendação de leitura

Nesta entrevista, o escritor moçambicano Mia Couto comenta, entre outros assuntos, as diferenças da língua portuguesa falada em vários países – diferenças que, para ele, não são sentidas como um problema. Afirma, entretanto, que alguns fatores serão responsáveis pela predominância da variante brasileira sobre as outras, como o número de falantes do Brasil e nossa capacidade de nos exportar por meio das novelas televisivas. O escritor cita como exemplo a expressão “todo mundo”, que não era usada nos outros países (onde se dizia “toda gente”), mas já é comum em Moçambique. Ao fim da entrevista, deixa uma dica a quem deseja se tornar escritor: “Meu conselho é que ele não fique intimidado pelo desejo de escrever bem. O escritor não é aquele que escreve bem só.”

Leia mais:

http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/04/bmia-coutob-o-portugues-do-brasil-vai-dominar.html

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