O mito do professor nativo
O senso comum costuma acreditar que o melhor professor de uma língua estrangeira é o nativo, aquele que cresceu falando o idioma e que, portanto, deve ter maior domínio sobre seu vocabulário e estruturas sintáticas. Para quem se encaixa nesse perfil, o argumento funciona como uma jogada de marketing implacável: estampar os dizeres “professor nativo” em cartões de visita é uma ótima estratégia para valorizar o passe. Para os alunos, por outro lado, a informação ajuda a estimular investimentos financeiros: não vale a pena gastar um pouco mais e aprender um idioma com alguém que sempre fez uso dele sem esforços? Claro que sim! (cof cof)
A maneira mais fácil de contestar esse argumento é perguntar aos nossos amigos brasileiros se se sentem aptos a lecionar o português, seja para outros brasileiros ou para um aluno estrangeiro. Somos, todos nós, falantes fluentes e proficientes do português brasileiro, conhecedores de um vocabulário vasto e de todas as estruturas necessárias para nos expressar, seja lá qual for a variante do português que empregamos. Poucos de nós, porém, têm o conhecimento necessário da língua para ensiná-la. O que justifica, então, a falsa ideia de um professor estrangeiro é tudo o que um aluno pode querer?
Suponho que a primeira resposta esteja relacionada à mania dos brasileiros de achar que não sabem o português e que as pessoas de países supostamente mais desenvolvidos dominam as estruturas e nomenclaturas ensinadas em ambiente escolar. Ao contrário do que pensamos, o que acontece com os brasileiros é o que acontece com qualquer ser humano de qualquer lugar do planeta: a língua que usamos no dia a dia não corresponde à língua registrada nas gramáticas. No mundo todo, todos cometem desvios e nem todos conhecem a língua padrão. E mais: não há nada de errado nisso. A única conclusão a se depreender daí é que ter nascido na Inglaterra, na França ou no Canadá, por exemplo, não faz de ninguém um professor por excelência. O mesmo acontece na área de tradução: não é por que alguém morou por anos em outro país que se transformou em um tradutor habilitado daquele idioma! Ensinar, traduzir, revisar, tudo isso requer muito estudo.
A segunda resposta que eu daria pra pergunta “Por que se sonha com professores estrangeiros?” pode ser traduzida na fala de quem diz querer aprender “sem sotaque”. Imagino um gringo comemorando o fato de ter encontrado um professor brasileiro, crendo que poderá aprender o português sem sotaque. Não é só um estrangeiro falando outro idioma que tem sotaque; todo mundo tem, falando a língua que for. Portanto, além do inevitável sotaque que já acrescentaremos à língua que formos aprender, o sotaque característico da região de onde vem nosso suposto “nativo sem sotaque” estará presente. Algum problema nisso? Nenhum.
Também é possível pensar, não sem certa dose de preconceito, que pode ser mais chique ter um professor nativo. Sei que provavelmente a minoria das pessoas procuraria um professor nativo por esse motivo, mas já que estamos elencando possibilidades, não custa incluir também esta.
Não pretendo, com essa reflexão, dissuadir ninguém quanto a ter um professor nativo. Quem tem o objetivo de praticar a “conversação” pode se beneficiar imensamente tendo um professor cuja proficiência é inquestionável, por exemplo.
Também existem muitos nativos que se preparam para lecionar e que, como os outros professores, devem ser valorizados. O objetivo deste texto é somente assegurar aos leitores que professores brasileiros podem, sim, lecionar um idioma estrangeiro com excelência, e que professores nativos não são garantia de aulas brilhantes (embora isso possa acontecer). Uma última comparação é que o professor brasileiro, por ter domínio das duas línguas, conhece os pontos de dificuldade que o aprendizado pode apresentar, o que não aconteceria com um professor que não domina o português.
Se você tem um bom professor, portanto, não se lamente pela nacionalidade dele. A gente garante que isso é o de menos.