4 Julho 2018
Usamos “nenhum” com sentido de nada ou ninguém, enquanto “nem um” tem o sentido de “nem sequer um”, “nem um único” ou “nem ao menos um”. O mesmo com os femininos.
Veja:
“Nenhum aluno veio à aula.”
Ninguém veio à aula.
“Nem um aluno veio à aula.”
O mínimo que se esperava era que um aluno viesse, mas nem mesmo um aluno veio.
_____
“Não tenho dinheiro nenhum.”
Não tenho nada de dinheiro.”
“Não tenho nem uma moeda.”
Eu poderia, pelo menos, ter uma moedinha, mas não tenho nem isso.
“Não tenho nenhuma moeda.”
Só tenho cédulas, nada de moedas.

Usamos “nenhum” com sentido de nada ou ninguém, enquanto “nem um” tem o sentido de “nem sequer um”, “nem um único” ou “nem ao menos um”. O mesmo com os femininos. Veja: “Nenhum aluno veio à aula.” Ninguém veio à aula. “Nem um aluno veio à aula.” O mínimo que se esperava era que um […]

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escrito por

Léo Ottesen é escritor, poeta e professor de escrita criativa.



3 Dezembro 2017

Qual é o sentido da vida, do universo e tudo mais? E, afinal, quem sou eu? Bom, respondendo à primeira pergunta, 42. Já a segunda, essa é um pouco mais difícil, embora seja simples. (Mas como assim?) Assim: você é você, ou seja, você é quem todas as outras pessoas não são.

Uma questão muito complexa é a da tentativa de definir a identidade das pessoas. Por isso, aqui, não é pretendido que se disseque completamente esse conceito, nem os seus similares: personalidade, caráter e ego. Tão-somente se definirá a identidade para fins explicativos, a saber: a identidade é a soma das características naturais com as experiências pelas quais o indivíduo passa durante a vida. Isto é, cada pessoa tem uma identidade própria, uma vez que seu código genético é único e, portanto, suas características naturais são únicas também. Mas então como explicar as identidades ou personalidades dos irmãos-gêmeos, que possuem o mesmo DNA? Aí tomamos a segunda perspectiva: o meio ambiente, as pessoas com as quais convivem, a forma como eles lidam com as coisas que acontecem, em outras palavras, suas experiências pessoais. Em se tratando de Arte – especificamente a Literatura –, é possível entender essa identidade (ou personalidade, de persona) como a biografia do artista, ou autor. Assim, entendemos que a pessoa do autor, formada por traços inatos e por outros – construídos através da vivência – é única e não pode ser transferida a ninguém.

Quando lemos um texto literário, algumas pessoas se destacam entre as palavras; como as personagens: protagonistas, antagonistas e coadjuvantes, e o narrador: a voz que conta a história e que pode ou não ser uma personagem dela. Interessante é perceber que essas pessoas, invariavelmente, são fictícias! Até mesmo em romances históricos, os quais narram acontecimentos reais, as personagens representadas não são definitivamente reais (embora sejam bastante verossímeis, isto é, próximas da realidade). O que ocorre é que, no ato da escrita, o autor é responsável por definir o que chamamos de pacto de leitura: a criação de um mundo diferente do que existe, o qual possui regras próprias e é povoado por seres próprios. O leitor, do seu lado, aceita as verdades contidas na história como reflexos da mente criativa e criadora do autor, não as confundindo com a chamada realidade. Desta forma, ainda que a história seja baseada em eventos e pessoas reais, jamais, em hipótese alguma, podemos considerá-la verdadeira.

A ficção tem, sim, laços com a realidade, como a já citada verossimilhança, que se define como a lógica da narrativa ou coerência; contudo, é de suma importância que saibamos separar a literatura e o mundo real. Então, compreendendo que o narrador é uma pessoa (fictícia) e que o autor também é uma pessoa (física), onde encaixamos a tal identidade? Simples: em ambos. Mas isso desde que os distingamos entre si, já que eles não dividem o mesmo mundo, portanto, não podem ter tido as mesmas experiências. Em outras palavras, é impossível que o narrador e o autor sejam a mesma pessoa, com a mesma identidade e personalidade, embora – novamente – pode ser que eles dividam alguns traços em comum, assim como os próprios mundos fictício e real dividem.

É notável, pois, o fato de que as variações que uma pessoa física sofre em sua identidade, durante a existência, são poucas se comparadas às dos narradores. Se definirmos a identidade como já fizemos, o indivíduo vai se modificar ou se consolidar a partir das experiências que tem, enquanto o narrador, por outro lado, não depende dessas experiências para ser criado ou transformado; ele depende única e exclusivamente da imaginação do autor. Um escritor, assim, terá sua identidade construída através da vida, podendo, durante essa construção, criar inúmeras outras pessoas muito mais diferentes entre si do que ele próprio e seus eus passados.

Essa distinção, ou diferenciação, entre as pessoas surgidas de uma única pessoa colabora, portanto, para a certeza de não se poder fundir – e confundir – o autor e o narrador (por extensão, narradores). Desta forma, fica mais fácil olhar para o texto e não enxergar o autor, pelo menos não completamente.

Na poesia, por outro lado, não existe – via de regra – algo que possamos chamar de narrador, uma vez que os poemas tendem a não narrar histórias, mas sim construir imagens simbólicas com as quais o leitor possa vir a se “encantar”, isto é, identificar-se e se emocionar, bem como permitir que a poesia floresça em seu interior. Para tanto, o autor se vestirá novamente de outra pessoa; dessa vez, não um narrador, mas uma voz mais ligada aos sentimentos e à força da palavra: o eu-lírico.

Porquanto o escritor é capaz de criar diversos narradores para suas diferentes histórias, o poeta deve fazê-lo muito mais vezes – com os eus-líricos –, tendo em vista a extensão menor dos textos desse gênero. Em outras palavras, no tempo em que um escritor de prosa gera uma dúzia de trabalhos, um poeta é capaz de produzir centenas de textos. Somando-se a isso o fato de a poesia ser, por definição, voltada para as emoções humanas, temos, então, a facilidade em confundir o poeta com o seu eu-lírico. Afinal, deve ser muito difícil, para o autor, desenvolver vozes diferentes da sua a fim de falar sobre sentimentos humanos, ainda mais em um grande número de textos, não é mesmo? Imagine o esforço investido na escrita de um poema que fala sobre a morte da pessoa amada; e se a pessoa amada do autor não morreu; e se o autor nem sequer ama alguém; e se o autor nunca perdeu ninguém querido… Como ser honesto e sincero no poema, visando conectar-se com o leitor, falando sobre o que desconhecemos? Difícil, mas simples: evocamos uma pessoa que saiba daquele assunto. Uma pessoa fictícia, mas intimamente ligada às coisas do mundo real. Uma pessoa imaginária, mas que sente e sofre e ama e morre.

De forma criativa, porém partindo de traços humanos os quais podem ser facilmente reconhecidos no mundo real, o poeta desenvolve seu eu-lírico quase organicamente, porque é da própria natureza de sua atividade; um movimento, na maioria das vezes, pouco consciente e até automático. Quando se escolhe o tema do poema (ou quando a musa aparece), o autor, ainda que não sinta efetivamente aquilo sobre o que escreve, naquele momento, sabe o que deveria sentir – porque é humano, porque sente, sofre, ama, etc. Dessa forma, o eu-lírico, ao tratar de assuntos sobre os quais o poeta tem pouco conhecimento, não está mentindo ou fingindo para o leitor; principalmente porque, de novo, eles não são a mesma pessoa nem têm a obrigação de dividir os mesmos sentimentos. A voz lírica sente porque o poeta sabe o que deveria sentir. É estranho, mas não paradoxal, já que a emoção e a razão não são opostas.

Agora, se a pessoa física é diferente da pessoa literária (do narrador ou do eu-lírico), se uma é o Outro da outra, como é possível conhecer tão bem os poetas a partir, somente, das suas obras…? Bom, não é. O que pode vir a acontecer é o fenômeno que humildemente batizo de “lirismo translúcido”, o qual acaba sendo bem simples, apesar do nome aparentemente rebuscado. Se concordarmos que a voz que fala na poesia não é a voz do autor, mas de uma pessoa criada, e que as duas pessoas são diferentes, o poeta pode – por querer ou sem querer – deixar sua identidade aparecer naquilo que o Outro diz. Isto é, o eu-lírico revela a personalidade do seu criador.

É muito importante ressaltar, contudo, que essa poesia não deve sobrepujar a ideia das diferentes pessoas na literatura. Assim, ainda que seja possível reconhecer a identidade de um poeta (quer dizer, identificá-lo), não devemos esquecer que, no poema, quem nos fala é o eu-lírico. Eles podem ser mais ou menos parecidos, mas, ainda assim, tratam-se de duas pessoas de mundos diferentes e com personalidades distintas.

Quando um autor “aparece” no texto, portanto, ele está utilizando seus próprios conhecimentos e sentimentos através do eu-lírico. Apesar de continuar não sendo o poeta quem fala no poema, ele pode transmitir suas emoções para que o eu-lírico seja capaz de escrever sobre estas; da mesma forma como o eu-lírico pode escrever sobre emoções que o poeta desconhece. Assim, é importante compreender que, mesmo no poema mais íntimo e autobiográfico, o autor não está falando. Dessa forma, quando tentarmos interpretar um texto, vê-lo-emos enquanto objeto fechado e completo em si: com uma voz que diz e com algo que é dito; sem a necessidade de levar em conta autor, cidade onde viveu, casamentos, filhos, situação política etc. Mas isso sem deixar totalmente de lado o lirismo translúcido, o qual compreende a existência da identidade do poeta – mais ou menos explicitada. Configura um erro de leitura, portanto, julgar-se conhecedor íntimo de um autor tão-somente pelo conhecimento que se tem de sua obra.

Não é raro acontecer de partirem do leitor alguns pré-conceitos sobre o poeta, os quais refletem o que se espera da pessoa física a partir do que se conhece da pessoa literária. Por vezes, esses conceitos são supostamente positivos, mas também podem ser negativos, isto é, julgamos e definimos algumas qualidades encontradas no eu-lírico como parte do poeta. O que acontece, pois, é a inevitável desilusão: o poeta é uma pessoa comum, com falhas e acertos – diferentemente do eu-lírico, criado a partir da imaginação, que pode apresentar apenas qualidades positivas (por que não?). Assim, o leitor acaba cobrando, do autor, algumas características que são intrínsecas à sua criação e as quais podem nem existir – com efeito – na pessoa autora, na pessoa real.

 

*Léo é escritor, poeta e professor de escrita criativa.

Qual é o sentido da vida, do universo e tudo mais? E, afinal, quem sou eu? Bom, respondendo à primeira pergunta, 42. Já a segunda, essa é um pouco mais difícil, embora seja simples. (Mas como assim?) Assim: você é você, ou seja, você é quem todas as outras pessoas não são. Uma questão muito […]

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Léo Ottesen é escritor, poeta e professor de escrita criativa.



5 Setembro 2017

Léo Ottesen*

 

Assim como a própria vida, os textos literários têm altos e baixos. As emoções que se desenvolvem podem variar entre positivas, negativas, neutras, enfim. E é essa “montanha-russa de sentimentos” que, muitas vezes, consegue prender a atenção do leitor. Seja num momento de tensão arrepiante ou de uma piada histérica, o envolvimento do leitor com a história acompanha esse ritmo, o qual também é influenciado pelo tamanho do texto, bem como das partes que o compõem. Portanto, hoje, eu resolvi tratar especificamente do gênero narrativo e, mais especificamente ainda, dos contos, já que os seus tipos (subgêneros) se diferem bastante nos quesitos ritmo e extensão, e também nas suas estruturas.

Quando se fala de estrutura textual, logo vem à mente o esquema escolar de início, meio e fim; ou ainda: introdução, desenvolvimento e conclusão. E está correto. Contudo, na narrativa – que é literatura, arte, espírito –, é preciso que se enxergue além das ideias estáticas e dos conceitos quase matemáticos, das regras burocráticas que praticamente extinguem o prazer da leitura. Pede-se que se “sinta” o ritmo do texto, durante a leitura ou escrita, sem essa preocupação com a enfadonha divisão das partes. A título de exemplo: podemos ter uma narrativa cujo clímax (o ponto alto da história) acontece durante o desenvolvimento, e, assim, a conclusão pode apresentar a vida do protagonista muitos anos depois do que fora contado. Também podemos ter o clímax ao final da conclusão – o que é comum nos contos –, e que provoca no leitor uma sensação de êxtase, e o que torna o desenvolvimento, isto é, a maior parte da história, algo quase desimportante. Ou seja, nem sempre essas definições vão ser totalmente válidas. Mais importa, pois, ser capaz de dançar no mesmo ritmo que o texto, independentemente do local.

Mas, afinal, o que são os contos? É possível encontrar diversas definições por aí: o que aprendemos na escola; na universidade; nos livros; durante a escrita dos próprios… Por isso, como estamos focando na extensão – ou tamanho – dos textos, não vou me estender na tentativa de definir o gênero, apenas espero do leitor a boa-vontade de confiar no seguinte: o conto é uma história que possui narrador, personagens, lugar – no tempo e no espaço – e enredo (uma narrativa) de pouca duração (curta). Então, de maneira simplista, o conto é uma narrativa curta. Ou bem curta. Ou curtíssima. Veremos isso mais à frente.

Dizer que um texto é curto certamente não parece muito científico – e de fato não o é –, mas, a fim de evitar divagações desnecessárias, entendamos a extensão curta como algo possível de ser lido de uma só vez. Pois é, isso não ajuda muito, já que há pessoas que leem rapidamente e terminam um livro de duzentas páginas durante uma tarde. Tomemos esses leitores como exceção. A regra, então, seria a de que, entre sentar pra ler e precisar levantar-se para fazer alguma outra coisa, conseguimos ler entre duas ou três e dez páginas. Pronto. Eis a extensão clássica de um conto. Por que “clássica”? Porque, mais uma vez, a literatura, enquanto arte e espírito, movimenta-se e se transforma junto com a Humanidade, portanto, absolutamente toda e qualquer definição acerca dela pode (e deve!) ser modificada no decorrer do tempo. E é o que aconteceu e acontece com esse tipo de texto.

Há contos de vinte páginas. Outros, de três, não apresentam um lugar no tempo. Alguns têm várias personagens, alguns têm uma. Há contos sem lugar no tempo nem no espaço nem personagens e com apenas uma linha de extensão! Então, se as estruturas não seguem uma regra fixa e as extensões variam, e se por vezes nem mesmo a definição de narrativa é totalmente respeitada, como todos esses textos podem ser considerados a mesma coisa? Oras, é por causa da sensação que provocam, pela dança que nos permitem, pelo ritmo.

Via de regra, o conto tem seu ápice no final, deixando o leitor suspenso pela história. É diferente, portanto e por exemplo, de um romance, cujo ápice (ou ápices) acontece(m) durante a narrativa e no final ocorre o retorno à normalidade – com algumas mudanças. Assim, o conto “O menino e o lobo” termina com a fera devorando todo o rebanho do protagonista, ou seja, a parte mais significativa da história está no final. Contudo, sabendo que as regras são feitas para serem quebradas, é preciso dizer que nem mesmo o sentimento catártico ao final dos contos aparece em todos. Isto é: esse gênero é uma terra sem leis.

Agora, se, por um lado, é uma tarefa difícil identificar o gênero conto, por outro, é justamente isso que permite a criação de diversas formas de escrevê-los. É aqui onde entram recursos linguísticos, ferramentas de escrita, fenômenos psicológicos e por aí vai. O contista, a partir da liberdade que existe na criação, vai utilizar e apresentar esses fatores da maneira que lhe aprouver, a fim de provocar algum tipo de impacto no leitor. Por exemplo, o autor pode deixar sua personagem implícita (ou elíptica ou subentendida ou subliminar, enfim) e, assim, “violar” a estrutura narrativa – que exige personagem, tempo, espaço, etc. Ou pode começar a história pelo fim, também rompendo com a forma clássica de enredo. Para ilustrar, dois contos que utilizam essas ferramentas, respectivamente, de Hemingway e Alan Moore:

“Vende-se: sapatos de bebê, sem uso.”

“Tempo. Sem querer, inventei uma máquina do.”

Em Hemingway, apesar da aparente ausência dos traços que definem uma narrativa (personagens, tempo etc.), a extensão do texto e o ritmo em que ele é lido, que são intimamente interligados, levam o leitor à catarse: o ápice da história, quando tudo é explicado e findo; aqui, quando descobrimos a tragédia ocorrida: “sem uso”. As personagens ficam “escondidas” na imaginação do leitor: o casal que perdeu o bebê e agora se desfaz do sapatinho sem uso. Já em Moore, com mais humor, notamos a existência de um narrador-personagem a partir da flexão verbal em primeira pessoa do singular: “[eu] inventei.” Contudo, as demais características dos contos é ausente ou subentendida. O local no espaço, isto é, o ambiente da narrativa, é o próprio texto; o local no tempo é a duração da leitura, com um viés paradoxal: a história começa pelo final e se repete – como se o próprio conto fosse, de fato, uma viagem no tempo. Então, podemos classificá-los como contos, por serem narrativas curtas, muito embora algumas características clássicas do gênero estejam ausentes na materialidade do texto, mas presentes na virtualidade e na imaginação do leitor.

Esses contos de uma linha, por sua extensão, são chamados de nanocontos. Apesar de serem muito pequenos, eles conseguem provocar emoção e seus ápices acontecem ao final da leitura, e até depois da leitura, como em Hemingway, onde o leitor se pega elaborando o que havia acontecido com as personagens antes do momento da escrita. Assim, seguindo a caracterização a partir da extensão, do menor ao maior, temos: nanocontos, microcontos, minicontos e – simplesmente – contos. A distinção entre os médios é complicada, porém, didaticamente é possível definir os microcontos como aqueles compostos por um ou dois parágrafos, enquanto os minicontos podem chegar a duas páginas. Já os contos em si chegam a dezenas de páginas, não devendo ser confundidos com o gênero novela. Mas isso é outro assunto.

Por motivos de espaço, não vou dissertar, aqui, acerca dos minicontos nem dos contos. Todavia, acredito ser válido falar sobre os micros e, para isso, recorro ao mestre Eduardo Galeano:

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

Até aqui, o leitor já deve ser capaz de identificar esse texto como uma narrativa curta, um conto, uma vez que ele apresenta os quesitos básicos do gênero, principalmente o impacto ao final. Outro traço importante dos contos, pois, é a unidade: poucas personagens e só um ponto principal. Isto é, o texto já começa visando ao desfecho, sem que haja subtramas ou longas descrições do ambiente, do aspecto físico das personagens, etc. Dessa forma, Galeano constrói sua narrativa pautada unicamente na constatação de que, se são proibidas, quer dizer que houve quem tenha praticado essas ações antes. O tempo da história fica subentendido: o personagem-narrador estava em Madri, depois no Rio. Esse foi o percurso feito pelo protagonista durante a narrativa. Assim, o conto mal inicia e já tem seu desfecho: vai direto ao ponto.

Um conto de maior extensão, como “O gato preto”, de Edgar Allan Poe (grande teórico e autor do gênero), pode até vir a apresentar alguns momentos de tensão e importância antes do ápice, mas, ainda assim, esses movimentos e sensações servem para embalar e manter o ritmo do texto, não necessariamente para modificar a história de maneira relevante, porque, mais uma vez, o enfoque do conto é o final. Portanto, ao se pensar em trabalhar com a narrativa curta, é importante que se tenha em mente o que se pretende alcançar com o texto, ou seja, qual será seu ápice, no final, o qual deixará o leitor extasiado, seja pra bem ou pra mal. Além disso, é preciso enxugar a narrativa até que ela se torne condensada, a fim de que sua leitura possa ser feita em um único momento; o conto deve ser direto, com um único ponto essencial, e, portanto, com poucas personagens e a menor quantidade de descrições possível. Enfim, no conto, não existe “enrolação”.

*Léo Ottesen é escritor, poeta e professor de escrita criativa.

 

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Léo Ottesen*   Assim como a própria vida, os textos literários têm altos e baixos. As emoções que se desenvolvem podem variar entre positivas, negativas, neutras, enfim. E é essa “montanha-russa de sentimentos” que, muitas vezes, consegue prender a atenção do leitor. Seja num momento de tensão arrepiante ou de uma piada histérica, o envolvimento […]

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Nossa missão é combater o preconceito linguístico e dar dicas sobre o padrão da língua, que todos têm o direito de conhecer.



2 Fevereiro 2017

* Léo Ottesen

 

Carlos é escritor, marido e pai. Jorge é escritor e solteirão convicto, ou talvez apenas um solitário tímido que não sabe falar com outros homens. Eles são amigos há mais de 10 anos. Quando Jorge conseguiu a publicação de seu primeiro romance, foi Carlos quem o incentivou a continuar escrevendo do seu jeito, embora o seu jeito não fosse garantir lucro financeiro (palavras dele). Em outra ocasião, Jorge havia rompido com o namorado e, de novo, foi o amigo quem o convidou para tomar umas cervejas e tentar transformar aquilo em um conto melodramático. O texto fora publicado em uma revista menor.

Jorge escreve para si. Inventa seu estilo literário sem pesquisar o assunto. Dá à luz suas personagens antes mesmo de saber sobre o que escreverá. Fala de coisas das quais gosta e as quais odeia – muitas vezes sendo as mesmíssimas coisas. Disserta sobre o sexo, as drogas, a crise intelecto-cultural que transpassa as gerações humanas pós-revolução industrial, e pássaros. Jorge é metido a poeta, mas não publica. Acredita que suas histórias façam muito mais sentido para os leitores do que seus versos. Para escrever, gosta de vinho branco seco e cigarros – às vezes de maconha. Quando acorda na manhã seguinte, costuma rir do que escreveu, porque não lembra como aconteceu. Mas manda para seu editor e consegue. Ele é talentoso, embora louco, e consegue.

Seus sete romances praticamente foram lançados em sebos. Passam de mão em mão sem nunca serem comentados nos jornais, nem se tornarem motivação para entrevistas do autor. Ninguém jamais estudará Jorge nas aulas de Literatura. Jorge nunca será entrevistado pelo Jô, nem sequer pelo Danilo Gentili. E ele está feliz com isso. O escritor, além de escritor, é formado em Economia e trabalha em uma imobiliária. Ganha a vida entre papeis, documentos e telefonemas. Nos fins de semana e nas folgas, ele escreve. Porque precisa escrever muito mais do que precisa de dinheiro para se sustentar. Jorge trabalha para viver e vive para escrever. Embora nunca vá aparecer na televisão.

Carlos você conhece. Certamente já leu algum dos vinte livros dele. Ou quem sabe todos. Ele deixou de ser amador há muitos anos, e deixou de amar o que faz pouco tempo depois disso. É contratado de uma grande editora, recebe para escrever e ficar em casa, cuidando do casal de filhos. É um escritor de verdade – nas palavras de Jorge. Muitas vezes, foi o autor mais vendido segundo diversas revistas importantes. Os leitores o amam e os escritores o desprezam. Carlos escreve romances, mas também crônicas, contos e até novelas. O que estiver em alta. Seu editor lhe indica as tendências do mercado e manda que ele as siga à risca. Carlos ganha bem, por isso obedece.

Quando “Cinquenta tons de muita coisa” foi lançado, Carlos se adiantou na publicação de “Um tapinha não dói”. Sucesso imediato. Apareceu na Globo e no SBT. Não quis dar entrevista para a RedeTV. Antes ele já havia publicado “Quando eu tinha 15 anos…”, de crônicas sobre relacionamentos, sob o pseudônimo de Vera Cruz; uma homenagem ao Brasil. Suas leitoras não entenderam a referência. Logo a saga “Quando voam os dragões” foi citada em muitos podcasts nerds como a maior revelação da literatura fantástica brasileira. Um dos apresentadores inclusive fez uma piada sobre os livros serem fantásticos e se tratarem de um mundo fantástico, mas foi uma péssima piada e não cabe reproduzir aqui. Carlos fez muita gente chorar com a história de “Ele e Ela”, com dois adolescentes brancos de classe média se apaixonando e morrendo de uma doença incurável que ninguém conhece. Os exemplares voavam das prateleiras das livrarias. Dizem que vai virar filme.

Os dois amigos trocam figurinhas sobre o mercado editorial e a arte literária, enquanto preparam suas próximas obras, e desejam trocar de lugar um com o outro. Eles entendem, porém, que ambos trabalhos são essenciais. A forma como Carlos trabalha e a paixão com a qual Jorge escreve são os dois pesos que equilibram a balança do mundo literário. Como a luz e a escuridão, uma depende da outra. E, da mesma forma, nenhuma é mais importante ou melhor que a outra. O que faz sentido para os dois é que seus livros precisam ser lidos e há quem os leia, e goste deles, apesar de tudo. Não há por que questionar o valor que as coisas têm se – e só se – elas nos fazem bem. Jorge e Carlos continuam grandes amigos. Jorge talvez ganhe um aumento. Carlos certamente ganhará mais dinheiro.

 

*Escritor, poeta e professor de escrita criativa.

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* Léo Ottesen   Carlos é escritor, marido e pai. Jorge é escritor e solteirão convicto, ou talvez apenas um solitário tímido que não sabe falar com outros homens. Eles são amigos há mais de 10 anos. Quando Jorge conseguiu a publicação de seu primeiro romance, foi Carlos quem o incentivou a continuar escrevendo do […]

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