11 Março 2015

Por Renato Tresolavy

Existem algumas máximas que resistem ao tempo pela força universal que possuem, por sua capacidade de entender e explicar o mundo e seus eventos e de sintetizar a dinâmica das sociedades e suas transformações. Heráclito de Éfeso (535 a.C.- 475 a.C.), filósofo grego pré-socrático, é autor de uma dessas máximas que sobrevivem ao tempo. Dizia o filósofo que “A única constante é a mudança”. Para Heráclito, o mundo está em constante mudança, e essa mudança constante é uma realidade inevitável, quer a gente queira ou não.

Se voltarmos nosso olhar para o passado, observa­remos essa constante de mudanças através do tem­po, desde as mais antigas eras até hoje. Trazendo nos­so olhar de volta e fixando nossa análise no momento atual, considerando o século XXI em particular, perce­bemos que esse processo de mudança continua permanente, mas o ritmo das mudanças está cada vez mais acelerado. Ciência, tecnologia e as mais diversas áreas do conhe­cimento estão em permanentes transformações. As tecnologias de informação e comunicação, em especial, mudam em velocidade alucinante: cada vez mais pes­soas estão conectadas à internet, consumindo informa­ção e alimentando uma rede de dados que apresen­ta números cada vez mais superlativos. Só em 2012, mais de 51 milhões de páginas de internet foram adicionadas na web.

Não é à toa que hoje em dia falamos em socieda­de da informação e do conhecimento. O mundo con­temporâneo é marcado pela profusão de informações e cada vez mais pessoas conquistam acesso a elas. No entanto, informação não se confunde com conhecimento. No dizer do professor e filósofo Mario Sergio Cortella, “A informação é cumulativa e o conhe­cimento é seletivo.[1]” Nem sempre a informação dispo­nível se transforma em conhecimento efetivo. Um dos papéis da escola é contribuir para que esse processo de transformação se efetive, indicando caminhos, pro­porcionando acesso, orientando ações para que o aluno tenha a informação e seja capaz de selecionar aquela que realmente importa para em seguida transformá-la em conhecimento.

Nesse processo de aquisição de conhecimentos, essencial para lidar com fatos e fenômenos de nos­so exigente cotidiano atual, a escola tem percebido a necessidade cada vez mais urgente de diminuir a dis­tância entre as disciplinas, de quebrar a organização fragmentada e estanque com que elas são apresenta­das hoje, principalmente para atender as necessidades de uma sociedade em constante mudança e estabele­cer uma relação mais produtiva entre o que acontece no interior de seus muros e o que se passa fora deles, ou seja, a realidade pulsante da vida com toda sua complexidade. Afinal, o homem não é um ser isolado do mundo. Uma de suas características mar­cantes é a intercomunicação permanente com todas as esferas sociais, culturais, intelectuais e pessoais dispo­níveis. E é nesse contexto que a questão da Interdisciplinaridade entra com muita força. A interdisciplina­ridade deve ser ferramenta fundamental para atenuar as quebras existentes entre as disciplinas, procurando atender a complexidade dos fenômenos, que não se limitam a um campo único de conhecimento. A interdisciplinaridade torna-se indispensável como possibilidade de experi­ência da totalidade humana e universal. A interdiscipli­naridade na escola recoloca a ideia de integração entre ideias e conceitos como recurso fundamental para a produção de conhecimentos. ­

Para superar sua limitação com relação à organi­zação de currículo e atribuir significado ao processo de aquisição do conhecimento, a escola deve começar a assumir outra maneira de pensar e de fazer educa­ção, considerando as exigências da atual sociedade da informação e do conhecimento e a tendência de um ensino cada vez mais integrador. Essa superação passa por dois princípios importantes: a interdisciplinaridade e também a contextualização dos assuntos que fazem parte dos objetos de conhecimento das várias disciplinas que compõem o currículo escolar.

Contextualizar é articular o ensino com as diversas deman­das sociais que se apresentam na vida cotidiana do aluno. A interdisciplinaridade, por sua vez, tem relação direta com o ensino que promove a integração de disci­plinas, a inter-relação de saberes desenvolvidos não só pelos vários campos de conhecimentos, mas também pelas diferentes disciplinas que compõem o programa escolar e pelos temas transversais. Devemos seguir a recomendação do educador espanhol Jurjo Torres Santomé, que considera a interdis­ciplinaridade como ação que confere significado ao conteúdo escolar e ao mesmo tempo rompe com a divisão hermética das disciplinas. Não é difícil observar que todos os saberes se relacionam e dialogam entre si. Estabelecer uma inter-relação desses saberes é fundamental para superar desafios e para se posicionar crítica e ativamente dian­te das questões colocadas pela realidade. Contextualização e interdisciplinaridade são importantes pilares para a construção de um ensino integrador e independente, que contribua para a formação de indivíduos críticos e autônomos.

Se considerarmos as competências e habilidades pre­vistas em parâmetros e diretrizes curriculares oficiais, percebe-se que a interdisciplinaridade acontece como um processo quase que inerente ao exercício de lei­tura, de compreensão e também de escrita de textos, no caso da disciplina de Língua Portuguesa. Afinal, os alunos aprendem a língua no uso e, portanto, não se separa um momento para aprender a ler, outro momento para aprender a escrever e outro para apren­der a falar. Essas atividades acontecem simultanea­mente.

Na escola, é necessário que o professor promova ações interdisciplinares de acordo com as demandas de seus alunos ou de acor­do com o projeto pedagógico proposto pela escola. O importante é que a escola e seus agentes (professo­res, coordenadores, diretores, pais e alunos) assumam a interdisciplinaridade como uma proposta de mudan­ça dentro do ambiente educacional, uma mudança que não se limite a adaptar o ensino tradicional linear (cada vez mais esgotado), mas sim de superar, sempre que possível, os programas de disciplinas estagnadas, já que, como defendia Heráclito, o mundo é mesmo feito de mudanças.

 

 


[1] Sobre a relação entre informação e conhecimento, recomen­damos a leitura do artigo “O naufrágio de muitos internautas”, de Mario Sergio Cortella, publicado no jornal Folha de S.Paulo e disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0607200025.htm. Acesso em: 07 jun. 2014.

RTRenato Tresolavy

Meu nome é Renato Luiz Tresolavy, sou editor de livros didáticos e fui professor de escola pública. Neste espaço do site Portuguêé Legal, gentilmente cedido pela minha amiga Carol Pereira, proponho discutir com estudantes, pais e professores assuntos que envolvem o ensino e aprendizagem de gramática, produção de textos, leitura e literatura. A cada semana, pretendo trazer aqui um tema diferente sobre o universo maravilhoso do Português.

 

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Por Renato Tresolavy

Existem algumas máximas que resistem ao tempo pela força universal que possuem, por sua capacidade de entender e explicar o mundo e seus eventos e de sintetizar a dinâmica das sociedades e suas transformações. Heráclito de Éfeso (535 a.C.- 475 a.C.), filósofo grego pré-socrático, é autor de uma dessas máximas que sobrevivem ao tempo. Dizia o filósofo que “A única constante é a mudança”. Para Heráclito, o mundo está em constante mudança, e essa mudança constante é uma realidade inevitável, quer a gente queira ou não.

Se voltarmos nosso olhar para o passado, observa­remos essa constante de mudanças através do tem­po, desde as mais antigas eras até hoje. Trazendo nos­so olhar de volta e fixando nossa análise no momento atual, considerando o século XXI em particular, perce­bemos que esse processo de mudança continua permanente, mas o ritmo das mudanças está cada vez mais acelerado. Ciência, tecnologia e as mais diversas áreas do conhe­cimento estão em permanentes transformações. As tecnologias de informação e comunicação, em especial, mudam em velocidade alucinante: cada vez mais pes­soas estão conectadas à internet, consumindo informa­ção e alimentando uma rede de dados que apresen­ta números cada vez mais superlativos. Só em 2012, mais de 51 milhões de páginas de internet foram adicionadas na web.

Não é à toa que hoje em dia falamos em socieda­de da informação e do conhecimento. O mundo con­temporâneo é marcado pela profusão de informações e cada vez mais pessoas conquistam acesso a elas. No entanto, informação não se confunde com conhecimento. No dizer do professor e filósofo Mario Sergio Cortella, “A informação é cumulativa e o conhe­cimento é seletivo.[1]” Nem sempre a informação dispo­nível se transforma em conhecimento efetivo. Um dos papéis da escola é contribuir para que esse processo de transformação se efetive, indicando caminhos, pro­porcionando acesso, orientando ações para que o aluno tenha a informação e seja capaz de selecionar aquela que realmente importa para em seguida transformá-la em conhecimento.

Nesse processo de aquisição de conhecimentos, essencial para lidar com fatos e fenômenos de nos­so exigente cotidiano atual, a escola tem percebido a necessidade cada vez mais urgente de diminuir a dis­tância entre as disciplinas, de quebrar a organização fragmentada e estanque com que elas são apresenta­das hoje, principalmente para atender as necessidades de uma sociedade em constante mudança e estabele­cer uma relação mais produtiva entre o que acontece no interior de seus muros e o que se passa fora deles, ou seja, a realidade pulsante da vida com toda sua complexidade. Afinal, o homem não é um ser isolado do mundo. Uma de suas características mar­cantes é a intercomunicação permanente com todas as esferas sociais, culturais, intelectuais e pessoais dispo­níveis. E é nesse contexto que a questão da Interdisciplinaridade entra com muita força. A interdisciplina­ridade deve ser ferramenta fundamental para atenuar as quebras existentes entre as disciplinas, procurando atender a complexidade dos fenômenos, que não se limitam a um campo único de conhecimento. A interdisciplinaridade torna-se indispensável como possibilidade de experi­ência da totalidade humana e universal. A interdiscipli­naridade na escola recoloca a ideia de integração entre ideias e conceitos como recurso fundamental para a produção de conhecimentos. ­

Para superar sua limitação com relação à organi­zação de currículo e atribuir significado ao processo de aquisição do conhecimento, a escola deve começar a assumir outra maneira de pensar e de fazer educa­ção, considerando as exigências da atual sociedade da informação e do conhecimento e a tendência de um ensino cada vez mais integrador. Essa superação passa por dois princípios importantes: a interdisciplinaridade e também a contextualização dos assuntos que fazem parte dos objetos de conhecimento das várias disciplinas que compõem o currículo escolar.

Contextualizar é articular o ensino com as diversas deman­das sociais que se apresentam na vida cotidiana do aluno. A interdisciplinaridade, por sua vez, tem relação direta com o ensino que promove a integração de disci­plinas, a inter-relação de saberes desenvolvidos não só pelos vários campos de conhecimentos, mas também pelas diferentes disciplinas que compõem o programa escolar e pelos temas transversais. Devemos seguir a recomendação do educador espanhol Jurjo Torres Santomé, que considera a interdis­ciplinaridade como ação que confere significado ao conteúdo escolar e ao mesmo tempo rompe com a divisão hermética das disciplinas. Não é difícil observar que todos os saberes se relacionam e dialogam entre si. Estabelecer uma inter-relação desses saberes é fundamental para superar desafios e para se posicionar crítica e ativamente dian­te das questões colocadas pela realidade. Contextualização e interdisciplinaridade são importantes pilares para a construção de um ensino integrador e independente, que contribua para a formação de indivíduos críticos e autônomos.

Se considerarmos as competências e habilidades pre­vistas em parâmetros e diretrizes curriculares oficiais, percebe-se que a interdisciplinaridade acontece como um processo quase que inerente ao exercício de lei­tura, de compreensão e também de escrita de textos, no caso da disciplina de Língua Portuguesa. Afinal, os alunos aprendem a língua no uso e, portanto, não se separa um momento para aprender a ler, outro momento para aprender a escrever e outro para apren­der a falar. Essas atividades acontecem simultanea­mente.

Na escola, é necessário que o professor promova ações interdisciplinares de acordo com as demandas de seus alunos ou de acor­do com o projeto pedagógico proposto pela escola. O importante é que a escola e seus agentes (professo­res, coordenadores, diretores, pais e alunos) assumam a interdisciplinaridade como uma proposta de mudan­ça dentro do ambiente educacional, uma mudança que não se limite a adaptar o ensino tradicional linear (cada vez mais esgotado), mas sim de superar, sempre que possível, os programas de disciplinas estagnadas, já que, como defendia Heráclito, o mundo é mesmo feito de mudanças.

 

 


[1] Sobre a relação entre informação e conhecimento, recomen­damos a leitura do artigo “O naufrágio de muitos internautas”, de Mario Sergio Cortella, publicado no jornal Folha de S.Paulo e disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0607200025.htm. Acesso em: 07 jun. 2014.

RTRenato Tresolavy

Meu nome é Renato Luiz Tresolavy, sou editor de livros didáticos e fui professor de escola pública. Neste espaço do site Portuguêé Legal, gentilmente cedido pela minha amiga Carol Pereira, proponho discutir com estudantes, pais e professores assuntos que envolvem o ensino e aprendizagem de gramática, produção de textos, leitura e literatura. A cada semana, pretendo trazer aqui um tema diferente sobre o universo maravilhoso do Português.

 

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Comentários


silvio

Seus textos são sempre muito esclarecedores Renato, apesar de não ser educador tenho uma preocupação com a formação de novos cidadãos, pois creio que somente a transformação dos indivíduos em cidadãos é que vai mudar todo o contexto politico e social deste pais que cada vez mais sinto que não é o meu, ter uma educação integrada e com foco na formação de novos cidadãos se faz urgente e urgente também na minha opinião é uma busca sincera pela verdade , formar críticos , autônomos que questionam sem o desejo de conhecer a verdade e busca-la me parece um empobrecimento da razão e da capacidade intelectual de cada um, a critica , o questionar deveriam ser um meio, não um fim em si próprios. Um forte abraço do teu cumpadre, amigo e irmão.


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